Este review foi realizado com uma cópia de PC gentilmente enviada antecipadamente pela Capcom. ATENÇÃO: No texto NÃO há spoilers de Resident Evil Village, porém, comentaremos sobre parte dos acontecimentos de Resident Evil 7, logo, caso você não tenha jogado o capítulo anterior da franquia, fique ciente que precisamos entrar nesse assunto ao decorrer da análise. Aproveite e veja também o nosso vídeo de review de Resident Evil Village:
Era uma vez…
Em 2017 Resident Evil 7 surpreendeu o público ao levar a história para as regiões pantanosas da Luisiana, na residência dos Baker, uma simpática família do interior que foi contaminada por uma espécie de mofo por uma arma biológica conhecida como Eveline, que assume a forma de uma garotinha. O game introduziu um novo protagonista para a série, Ethan Winters, que resolve explorar a casa dos Baker em busca de sua namorada desaparecida, Mia. A partir disso uma série de eventos bizarros e macabros começam a se desenrolar, explicando a relação de Mia com Eveline, como a família foi infectada por aquele mofo, além de (re)introduzir Chris Redfield na trama, com um visual remodelado e como um agente da Umbrella. Resident Evil Village, por sua vez, segue essa sequência de acontecimentos e se inicia com Ethan e Mia superando os traumas do passado enquanto criam sua filha, Rose, escondidos na Europa em busca de uma vida normal. Como os trailers já haviam revelado, algo acontece e Mia é assassinada por Chris e seus agentes e sequestra a criança recém-nascida. No entanto, as coisas dão (mais) errado e Ethan se vê perdido em uma vila com acontecimentos sombrios e parte numa missão para recuperar sua filha. Em linhas gerais é isso o que comentaremos sobre a história de Resident Evil Village. Quaisquer informações mais aprofundadas devem comprometer a experiência dos leitores durante a campanha e, acredite, você não vai querer levar muitos spoilers do game, embora as grandes revelações – a maior parte da história – só sejam evidenciadas na última hora de jogo. E claro, a partir desse momento não há como traçar paralelos com o amado Resident Evil 4. Para muitos parece se encaixar quase que perfeitamente como um uma reformulação do clássico: vamos para algum lugar da Europa no meio do nada, enfrentamos inimigos de uma seita misteriosa numa grande vila, depois partimos para explorar um castelo com o objetivo de encontrar uma pessoa sequestrada. Superficialmente até faz sentido e de fato, Village bebe da fonte estrutural de Resident Evil 4, mas conforme jogamos e finalizamos o novo game, entendemos que ele não foi desenvolvido para ser uma “versão 2.0”, um “soft reboot” ou uma re-imaginação de RE4. Pelo contrário, os dois games tem suas similaridades, mas possuem propostas e ambições totalmente distintas.
Ethan Winters, um homem de pouca sorte
Ao ser apresentado como o protagonista de Resident Evil 7, Ethan foi um dos aspectos mais criticados do game, justamente pelo mesmo ser ambientado em primeira pessoa e dar um desenvolvimento muito raso ao personagem, quase que de forma inexpressiva. Além de nem mesmo mostrar sua face. Felizmente Village corrige esse problema e embora a Capcom insista em não mostrar bem o rosto de Ethan, o paizão ganha uma boa base de desenvolvimento, muitas falas e interações e, principalmente, uma personalidade bem construída. Se em RE7 o que movia o jogador era a família doentia e a vontade de saber o que estava acontecendo, em RE Village Ethan passa a assumir as rédeas da narrativa e cria um vínculo melhor com o jogador. Agora nós controlamos um personagem humano, com expectativas e medos, e não mais apenas um boneco genérico.
Sobre meninos e lobos….
Desde seu anúncio um dos maiores mistérios de Resident Evil Village era a respeito de uma personagem específica, que caiu na graça do público e despertou muitos olhares nas últimos meses: Lady Dimitrescu, a vampira extravagante de quase 3 metros. Muito se especulou sobre a origem ou o grande papel de Dimitrescu na trama e inclusive os próprios desenvolvedores não imaginavam tamanha “comoção” para com a vilã. Com isso surgiu um grande problema: como alinhar a expectativa dos fãs com uma personagem que originalmente foi criada para atender a um escopo menor e não para servir como a grande antagonista do game? Sendo sincero, a participação de Lady Dimistrescu pode desapontar alguns jogadores por conta do seu curto tempo de tela. Isso ocorre pelo simples fato dela não ter sido desenvolvida para ser uma nova versão do Mr.X ou Nemesis de Resident Evil 2 e 3 Remake. Se na sua imaginação Lady Dimitrescu cumprirá o papel de perseguidora do início ao fim do game, já pode parando por aí, porque isso não acontece. A participação da personagem é mais limitada ao castelo e suas ruínas, no entanto, isso não significa que seja um mau aproveitamento da vilã. Ao contrário de Mr.X, por exemplo, Dimitrescu cumpre uma função específica dentro do seu arco narrativo e como já enfatizamos anteriormente, a personagem não é a antagonista principal, mas ainda assim é uma ótima adversária no que se propõe. Para incrementar o clima mais “fantasioso” da campanha, a Lady do castelo conta com a ajuda de suas três filhas: Bela, Cassandra e Daniela para fazer da vida de Ethan um verdadeiro inferno. A participação das filhas é limitada, mas proporciona embates divertidos com as vampiras sádicas. Falando em sadismo… Resident Evil 7 tinha como trunfo sua ótima galeria de vilões: Lucas e Margareth, mas principalmente Jack Baker, o qual considero como um dos melhores antagonistas de toda a série. Felizmente Resident Evil Village brilha com mais um excelente portfólio de vilões. O destaque especial vai para Heisenberg, que não ganhou tanto destaque nos trailers e muito se especulava sobre sua origem e participação. O que posso dizer é que o personagem surpreende com um background mais acentuado e uma personalidade excêntrica, uma grata surpresa. Além disso, preciso mencionar que o confronto com o personagem é algo bem “fora da casinha”, digamos assim. Surpreendente e muito divertido, para dizer o mínimo. Há pelo menos mais dois “chefes” na campanha, que inclusive estão sendo levemente mencionados no material de divulgação, mas que não irei me aprofundar, pois são igualmente surpreendentes. O primeiro cria um dos momentos mais aterrorizantes de toda a série, enquanto o segundo pode ser considerado um bom fan service para os amantes de RE4. No entanto, o papel misterioso e de grande mente por trás de tudo fica por conta da desconhecida Mãe Miranda, mostrada nas últimas demonstrações e trailers. Sua história e motivação são um grande segredo até o fim da jornada e revela boas informações a respeito da nova lore que vem sendo construída para a franquia. No entanto, nem só de chefões se constrói um bom jogo. É necessário preencher bem os ambientes com inimigos desafiadores e monstruosos, algo que Resident Evil 7 até que fazia bem com os mofados. O visual putrefato e sinistro dos monstros causa medo e tensão, mas pecava pela baixa variedade de rivais “comuns”. Village novamente corrige esse problema e adiciona muitos – muitos mesmo – inimigos com diversas variações. Além dos licanos e das criaturas que aparecem na demo do castelo, temos também algumas variações desses monstros e outros monstros que realizam esse papel de “monstro genérico”, mas, na verdade, são bem surpreendentes. A inteligência artificial dos adversários é boa o suficiente e os inimigos geralmente atacam em grupos grandes, fazendo com que o jogador se veja numa enrascada para gerir sua munição e sair do embate sem muitos golpes. Mais uma vez Resident Evil mostra que sabe fazer grandes vilões, mas esses mesmos antagonistas tiram vantagem de um aspecto importantíssimo da franquia: a ambientação e os cenários. No entanto, a maior crítica para Resident Evil Village é que o game tem um excelente escopo narrativo, mas não sabe aproveitar durante suas 10/11 horas de jogo. A impressão que fica é que toda a história só é revelada nos últimos 40 minutos, enquanto as 9 horas anteriores fossem apenas tiros, fugas e um pouco de desenvolvimento individual para personagens específicos. Village esquece de contar uma história de forma gradativa e deixa a marca de que poderia ser mais, porém, fica no meio termo, sem ter uma campanha tão intrigante quando a do seu antecessor. O motor que alimenta as engrenagens narrativas de Resident Evil Village são seus ótimos personagens.
Vilas, castelos e ruínas
De cara as comparações com Resident Evi 4l irão retornar, afinal de contas, a primeira grande área a qual somos apresentados é uma sinistra vila com atividades muito suspeitas e sangrentas. O vilarejo possui muitos segredos e digamos que seja uma localidade central para a trama. Passaremos mais tempo circulando por aquelas redondezas do que outras áreas, mas não se engane, Resident Evil Village usa muitos cenários que sequer passarão pela cabeça do público neste momento. E não dá para negar o capricho da Capcom ao desenvolver esses cenários. Cada um deles passa uma emoção diferente ao jogador e sabe trabalhar com os medos do mesmo para surpreendê-lo no fim. A vila é intrigante e macabra nas primeiras horas, já o castelo apresenta um tom clássico, mais dinâmico e com ação. As demais localidades fazem essa mescla de experiência e sentidos, resultando numa ótima dinâmica entre gameplay, espaço e jogador.
Mas é terror ou ação?
Graças à sua excelente atmosfera, Resident Evil Village é um ótimo jogo de suspense com ênfase na ação e sinistros momentos de horror. O início do jogo condiciona um clima de terror, mas conforme vamos pegando o jeito e adquirindo cada vez mais armas, as coisas se voltam para a ação. O game usa a ambientação e a qualidade sonora para pregar peças sensoriais com o jogador, assim como todo bom filme ou jogo de terror que se preze também faz, mas esses momentos são mais específicos do que gerais, limitados a áreas e situações-chave. Resident Evil Village utiliza do inesperado para assustar o jogador nas primeiras horas, mas parece perder esse ritmo propositalmente para seguir uma cadência própria e mais acelerada, sem abdicar da essência visceral. Contudo, Village possui um dos momentos mais assustadores, nojentos, bizarros e doentios que joguei nos últimos anos. Um pedaço de gameplay que brinca com os medos e sentimentos de Ethan e é de arrepiar.
Gráficos e otimização
Falando nessa questão de ambientação, sempre surge o aspecto de qualidade gráfica e Resident Evil tem um estilo próprio que realiza a fusão entre o realista e o fantasioso, ainda mais em Village, que busca grandes inspirações do terror folclórico e do medieval para compor suas paisagens, figurino e cenários. Resident Evil Village é belíssimo no seu jeito de ser. O game não está perto da acuidade super expressiva de um The Last of Us Parte II da vida e nem precisa. O título é suficientemente bonito com suas texturas, efeitos e uma boa iluminação graças ao Ray Tracing. Em termos de otimização não há muito o que falar: a RE Engine, motor gráfico em que o jogo foi desenvolvido, é uma das melhores da indústria. Resident Evil Village é um exemplo de boa otimização no PC, mostrando que é possível produzir games muito bonitos para diversos tipos de máquinas. Nossos testes foram realizados com uma configuração modesta já um pouco “antiga”, com um Intel Core i5-6600, 16 GB de RAM 2666 MHz e uma RX 480 8 GB da XFX. Nossa experiência ficou setada em um balanço entre o médio e o alto em Full HD e ainda conseguimos arriscar um gameplay em 1440p, que embora não crave nos 60 quadros entrega uma boa jogatina com as configurações corretas.
Requisitos mínimos
Sistema Operacional: Windows 10 (64bit)Processador: Intel Core i5-7500, AMD Ryzen 3 1200Memória RAM: 8 GBPlaca de Vídeo: NVIDIA GeForce GTX 1050 Ti 4GB VRAM, AMD Radeon RX 560 4GB VRAMVersão do DirectX: DirectX 12Espaço em Disco: 1TB
Requisitos recomendados sem Ray Tracing
Sistema Operacional: Windows 10 (64bit)Processador: Intel Core i7-8700, AMD Ryzen 5 3600RAM: 16GBPlaca de vídeo: NVIDIA GeForce GTX 1070, AMD Radeon RX 5700Versão do DirectX: DirectX 12Espaço de disco: 1TB
Requisitos recomendados com Ray Tracing
Sistema Operacional: Windows 10 (versão 2004 ou mais atual)Processador: Intel Core i7-8700, AMD Ryzen 5 3600RAM: 16GBPlaca de vídeo: NVIDIA GeForce RTX 2070, NVIDIA GeForce RTX 3070, AMD Radeon RX 6700 XT, AMD Radeon RX 6800, AMD Radeon RX 6900 XT.Versão do DirectX: DirectX 12Espaço de disco: 1TB
Som
Uma localização excepcional
Há alguns anos a Capcom já vinha localizando seus jogos com menus e legenda em português, mas apenas Resident Evil Village trouxe o primeiro game da desenvolvedora com uma dublagem para o nosso idioma e preciso confessar, está excelente. A escolha dos dubladores parece ter sido realizada a dedo, com muita personalidade e entonação para todas as personagens, principalmente para Ethan, como era de se esperar. Ademais, todo o aspecto sonoro de Village é muito bom e o jogador necessita jogar o game com um headset ou fones de ouvido de boa qualidade, pois mudará completamente sua experiência, tornando-se mais imersiva e assustadora. Grande parte dos sustos e da tensão é causada pela excelente atmosfera sonora.
Jogabilidade
Resident Evil 7 sofreu inúmeras críticas ao ser anunciado com uma câmera em primeira pessoa, e no fim das contas surpreendeu pela boa jogabilidade mesmo com a brusca mudança de perspectiva. Village segue por esse caminho e refina essas mecânicas. De modo geral, diria que foi o Resident Evil mais divertido que joguei nos últimos anos nesse quesito, superando – por pouco – RE 2 Remake. Estruturalmente os games até que são similares, mas na composição total Village leva vantagem por atribuir mais elementos ao seu gameplay. A principal prova disso é o retorno de uma “nova versão” do Mercante de Resident Evil 4, o Duque. O Duque é uma figura caricata, mas que além de vender e comprar itens do jogador, também tem um destaque especial na trama, diferentemente do queridíssimo Mercante. O Duque possui carroças espalhadas por diversas localidades do mapa e lá o jogador pode comprar munição, armas, melhorias, itens de cura, realizar personalização de armas etc. Tudo por um preço. Mas como pagar? Village introduz novamente um “sistema de recompensas”. Ao matar os inimigos eles irão dropar objetos de valor, que podem ser vendidos ao Duque e trocados por uma quantidade de Lei, a moeda do jogo. Também é possível encontrar certos valores de Lei ao quebrar caixas e jarros espalhados pelo cenário, que também são preenchidos com pouca munição. A munição é encontrada no cenário, mas grande parte dela será produzida pelo próprio jogador. Para isso precisamos encontrar insumos pelo mapa, como peças de metal enferrujadas, fluído químico e pólvora para fazer munição de pistola e espingarda, por exemplo. Mas para algumas munições de armas específicas, como o consagrado rifle, o jogador precisa comprar a receita de como produzi-la com o Duque. A personalização de armas é bem interessante. Podemos aumentar o poder de fogo da pistola comprando essa melhoria, mas também é possível encontrar ou comprar acessórios, como um carregador estendido e equipá-lo na arma. Os puzzles também retornam e são bem simples de serem resolvidos pelo jogador, sem grandes problemas. Village mantém a essência clássica da franquia com o famoso vai e vem de itens. Por exemplo, passamos por 4 portas douradas que precisam de uma chave dourada para abrir. Porém, só encontramos esse item no fim de uma área, e então retornamos a essas portas, abrindo atalhos ou coletando mais itens-chave para a progressão da campanha. Os saves principais são feitos com a já clássica máquina de escrever, mas não é necessário utilizar os ink ribbons para guardar um save. Basta chegar na maquininha e pronto.
Conclusão
Resident Evil Village é exatamente o que fãs queriam. Um jogo que melhora todos os aspectos de seu antecessor e garantirá algumas boas horas de diversão para os jogadores. O game reforça o bom comprometimento da Capcom com a saga nos últimos anos, e embora não seja perfeito, definitivamente é um ponto fora da curva para 2021. Um excelente e obrigatório título para jogadores de todas as plataformas. Ouso dizer que é a melhor aposta da franquia nos últimos anos e talvez uma das melhores experiências de toda a série.