Numa história que mais parece ter saído de um filme, o relatório de 150 páginas detalha a campanha que foi batizada ‘Secondary Infektion’ (‘Infecção secundária’, em português). O nome, por sinal, faria alusão à operação ‘Infektion’, realizada durante a guerra fria pelo serviço secreto da União Soviética (KGB), e que consistia numa maciça campanha de desinformação com o objetivo de descredibilizar os rivais norte-americanos, visto que ambas as nações disputavam a hegemonia global. No que apelida de “segunda” operação Infektion, a agência afirma que o grupo, cuja identidade dos membros ainda não foi descoberta, criou documentos e conteúdos falsos que foram atribuídos a líderes políticos, em especial dos EUA, e então divulgados em redes sociais com o fim de criar discórdia entre os cidadãos de seus respectivos países. A empresa lista como exemplo o senador da Flórida Marco Rubio, e o secretário de Estado Mike Pompeo, alegando que os nomes de ambos foram usados na tática. Apesar de contar com diferentes métodos, o escopo da campanha teria sido, desde o início, fomentar posicionamentos políticos que seriam de interesse do governo russo em debates internacionais, incluindo desconfianças com relação à Ucrânia e as intervenções da OTAN na região do país, além de atacar pessoalmente críticos do governo de Vladimir Putin. Até mesmo o banimento da Rússia em competições esportivas, devido a escândalos de doping, teria sido um alvo da disseminação de conteúdos falsos.
‘Falta de engajamento social’
Nas palavras dos autores do relatório, o que destaca a Secondary Infektion dentre as demais operações de disseminação de informações falsas, que sãos muitas, seria a ampla quantidade de plataformas operadas pelo grupo, maior que todas as campanhas do tipo já observadas pela agência. Inicialmente, a publicação massiva de conteúdos forjados se restringia a blogs e redes sociais populares apenas na Rússia, mas em pouco tempo se estendeu ao Facebook, Twitter, YouTube e até mesmo ao Reddit. Apesar da amplitude, o que mais chama atenção é o fato da operação contar com pouquíssimo engajamento social, o que por sua vez teria decretado o seu fracasso. Para a Graphika, o motivo mais provável para essa falha seria a preocupação da operação em camuflar seus atos e proteger os responsáveis, visto que a maioria das contas utilizadas era abandonada após a divulgação das fake news, dificultando que as postagens reverberassem entre usuários reais e motivassem debates. Segundo o diretor de investigações da agência, Ben Ninmo, o caso até serviu de lição, mostrando que manter narrativas fictícias, mesmo quando se tem um aparato poderoso, é mais difícil do que as pessoas costumam pensar. Apesar da agência já ter conhecimento sobre as atividades da Secondary Infektion desde, pelo menos, maio de 2019, a maior parte da operação continua sendo um mistério, já que não é possível apontar os responsáveis. Ao longo do relatório, é informado que foram encontrados mais de 2.500 conteúdos, sendo a maioria deles capturas de tela e documentos escritos (em sete idiomas diferentes), que foram publicados em mais de 300 fóruns, websites e redes sociais. Ainda assim, não há como saber quem financia tais ações e o quão envolvido estaria o governo da Rússia.
Vazamentos também são ameaça
Ainda que a disseminação de informações falsas não tenha sido tão efetiva quanto o esperado, o relatório da Graphika chama atenção para um dos movimentos de maior sucesso da Secondary Infektion: pouco antes das eleições gerais do Reino Unido em 2019, o grupo ecoou o vazamento de documentos verdadeiros que detalhavam negociações entre os EUA e o governo britânico, na tentativa de influenciar a escolha do parlamento.
Para Ninmo, o caso acende um alerta para as democracias de todo o mundo, sobretudo a norte-americana, já que além de ser um alvo constante dessa e de outras operações do tipo, o país realizará sua eleição presidencial em novembro deste ano. Ainda de acordo com Ninmo, quando falamos em situações de eleição, o impacto que um vazamento costuma causar acaba sendo mais complexo de se lidar do que o de simples fake news.
Fontes: The Verge, Bloomberg, SkyNews